Campanha ANA: Anyky, poderia compartilhar um pouco de sua
história conosco? Suas conquistas,
desafios, enfim o desejar dividir conosco.
Anyky Lima: Sou Anyky
Lima, Travesti, tenho 62 anos, sou carioca, moro em Belo Horizonte a 32 anos.
Sou Ativista LGBT, vise presidente do CELLOS-MG (Centro de Luta pela Livre
Orientação Sexual) e representante da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) em Minas Gerais.
Minha
história de resistência começa no início da minha adolescência, quando fui
expulsa de casa aos 12 anos de idade. Morei na zona (bordeis), na cidade de
vitória-ES durante 8 anos, depois voltei para o rio de janeiro. Na rua batalhei até quase os 50 anos de vida,
foi então que montei uma casa, uma pensão, cálculo que na minha casa deve ter
passado cerca de umas 10 mil meninas. Tiver a retificação do nome social aos 60
anos... Minha é luta cotidiana. Fui ameaçada de morte várias vezes por
incentivar as meninas a abrir uma conta no banco, a poupar o dinheiro que
ganhavam na batalha, a tirar documentos, a cuidar da saúde, a frequentar
escola... Comecei meu trabalho assim
incentivando as meninas a acessar todos esses espaços, e muitas delas hoje, tem
seu próprio salão, ganham dinheiro com outras coisas, algumas ainda continuam
na prostituição. E por isso eu luto para que nós da comunidade trans sejamos
reconhecidas como seres humanos. Penso
que quando as pessoas começarem a reconhecer travestis, transexuais e homens
trans como seres humanos esse será um grande avanço. Claro que já tivemos
algumas conquistas, costumo dizer que a gente não quer privilegio queremos
acessar nossos direitos como qualquer outro grupo.
Campanha ANA: Desse 62
anos de vidas o que destacaria como um desafio e o que destacaria como uma
grande vitória?
Anyky Lima: Minha grande vitória nisso tudo foi ter
passar por tudo que passei, ter sido expulsa de casa muito nova e não ter me
contaminado com HVI, sou de uma época que a cultura da camisinha
inexistia. E sobrevivido a tudo. Pois se vocês me perguntarem como eu
sobrevivi, eu nem sei explicar. Morei
na rua, na zona e a violência sempre foi muito grande. Às vezes eu deito na
cama e fico pensando como foi que consegui sobreviver... Envelhecer é muito bom
mas você vê muita coisa triste, muitas amigas minhas assinadas por transfobia,
mortas por HIV/AIDS. E são poucas de nós
que chegam aos 62 anos, muitas morrem antes dos 35 anos de vida, sou uma
pioneira mas esse é o maior desafio, conseguir que mais travestis, trans e
homens trans cheguem a essa minha idade, ou passar disso sabe? Lidar com essa
violência ainda é um grande desafio.

Campanha ANA: Envelhecer no Brasil é quase um sinônimo de que não se pode mais
nada. Trabalhar, se divertir, manter
relações sexuais e muitas outras atividades. Você concorda com isso? Ou isso é um preconceito dos mais jovens em
relação as idosas e idosos?
Anyky Lima: Os brasileiros são muitos preconceituosos com
tudo, principalmente como os idosos. No nosso país a impressão que tenho é que
nós idosos são descartados. Por exemplo na comunidade LGBT’s quando se chega
dos 40 aos 45 anos, começam os apelidos (Maricona). E a população mais jovem
acha que o idoso não tem direitos... Direito a dançar a se divertir, a ri, a
viver e etc... As gerações mais novas
esquecem que essa pessoa idosa, seja qual for sua orientação, traz consigo uma
grande carga de conhecimento. E na
comunidade trans isso fica ainda mais complicado, é uma população que vive da
beleza, do corpo e quando vai se chegando a uma idade mais avançada, há um
destrato muito grande à pessoa idosa. As
travestis jovens acham quem não vão envelhecer. E infelizmente é o que acaba
acontecendo elas morrem muito cedo. Mas
acredito que é uma maldade muito grande essa multiplicação dessa não
valorização referente aos idosos, independente da orientação. Essas gerações esquecem amassamos muitos
barro para que hoje elas estejam na esquina.
Se não fosse por nós ter aguentando diferentes tipos de humilhação e
estigmas na época do surgimento da AIDS por exemplo, alguns direitos
conquistados hoje como nome social, acesso à saúde, nos espaços educacionais e
o próprio lugar da rua, essa mais novas não poderiam acessar. Se não fosse
pelas resistência e enfrentamento das pessoas mais velhas. A beleza é efêmera,
se acaba, mas o que fica é o que somos.
Minha velhice é eterna, minha juventude não foi. Eu sou muito mais feliz hoje aos 62 anos do
que aos 18 anos onde eu não sabia se iria amanhecer morta, se iria ser a próxima
vítima. E hoje, eu me sinto muito mais feliz por estar passando para elas,
algumas coisa boas e também aprendendo por que não sabemos tudo. Mas essa relação entre as gerações precisam
melhora. No caso das pessoas trans
idosas, não existe uma política ainda de amparo a essa pessoas nas suas
velhice, por exemplo uma casa de apoio que acolha essa pessoas como elas são.
Pois quando precisam elas tem que se refazer em uma identidade que não condiz
com aquilo que elas lutaram para ser a vida toda. Ou então voltam para casa da família de onde
foram expulsas com a condição de só serem aceitadas conforme nasceram e muitas
são obrigadas a voltar para o armário. É
possível que mais travestis envelheçam, e eu sou a prova viva disso, mas é uma
luta constante para continuar se afirmando como pessoas travestis e trans. Hoje eu consegui juntar meu corpo minha mente
e minha alma no que eu sou hoje, uma senhora de idade feliz que está à frente
do movimento

Anyky Lima: Acredito
que tocar nessa questão da terceira idade, a velhice da pessoa LGBT. Pois
quando a pessoa é nova, tudo é festa e fantasia. É preciso refletir sobre como os jovens.
Também é preciso refletir sobre as casa de apoio que hoje geralmente estão
ligadas as questões religiosas e sabemos que a população lgbt não é bem vinda na
sua forma de ser nesses espaços. Nesse espaço se a pessoa não condiz com seu
sexo biológico não são aceita e isso acaba constrangendo fazendo com que essa
população se afaste de apoios que são necessários para sua sobreviver com
dignidade. Por exemplo quando pessoas
travesti e trans são dependentes químicos, não são aceitos nessas organizações
de apoio. Já vi situação de profissionais não atenderem uma travesti alegando
que não estava com a roupa adequada. Acredito que o mais importante é o atendimento
e não como ela ou ele está vestido.
Isso faz com que as pessoas se sintam um lixo... Penso que precisamos
sim pensar nas novinhas que estão na rua, sofrendo sendo assassinadas e dar
toda a orientação, mas também é preciso cuidar daquelas que conseguiram
sobreviver e as organização tem que ser esse espaço que elas sejam tradadas com
dignidade, de uma maneira humana. E as
travestis diferente do que muitos pensam elas sofrem de várias doenças, não só
com HIV/AIDS. Tem Pressão alta, Parkinson, doenças da velhice sabe? E na
maioria das vezes não são bem tratadas.
E quando as meninas são novas elas geralmente conseguem seus dinheiros,
já as com mais idade quando consegue a duras penas ter uma casa e dali tirar
seu ganha pão é chamada de cafetina, ou seja volta a ser marginalizada. Hoje existe algumas organizações de apoio
como o Ministério Público as ONGS que tentam de alguma maneira auxiliar todas
nós, muitas vezes é demorado por que ainda estamos nesse lugar de
marginalizadas. E as organização precisam pensar sobre essa população de
Travestis e Trans para que possamos tirar essa comunidade da margem da
sociedade.

Anyky Lima: O que eu digo para todas (os) adolescentes
que é preciso ocupar os espaços de tomada de decisão. Precisam se posicionar
para que a gente avance. Mas com muito cuidado e não ser agressivos nessa
construção. Outro ponto importante é
dizer da prevenção. Que se previnam, pois não só do HIV/AIDS mas de várias
outras doenças. Meu recado é dizer para a pessoas mais jovens que vivam uma
vida plena, cuidando do corpo, da alma e ocupando os espaços e se colocando
sempre na luta. Curta a vida com sabedoria e não se esqueçam de oportunizar na
luta cotidiana caminhos e espaços para mais pessoas travestis e transexuais.
Sem "closes", porque nossa luta é por acesso a direitos e deveres para todas.
Leia o Boletim completo...
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