domingo, 10 de dezembro de 2017

Entrevista: Resistir e lutar... O bem viver das mulheres é também o bem viver das crianças! Com Lola Aronovich.


Campanha ANA: Lola, nos conte um pouco sobre você, lutas, questões profissionais, enfim o que desejar compartilhar.

Lola Aronovich:
Meu nome é Lola Aronovich, tenho 50 anos, nasci em Buenos Aires, vim para o Brasil com menos de 4 anos, e sou naturalizada brasileira. Morei no Rio, São Paulo, Joinville, um ano em Detroit, e desde 2010 moro em Fortaleza. Do nordeste não quero sair mais. Fiz mestrado e doutorado em Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal de Santa Catarina, e hoje leciono na Universidade Federal do Ceará. Em janeiro de 2008 comecei um blog, o Escreva Lola Escreva, que se tornou um dos maiores blogs feministas do Brasil.

Campanha ANA:  Lola você tem um blog e nele você fala de diversos assuntos. E uma das pautas constantes é sobre a violência contra as mulheres. O seu blog é sua arma contra o feminicídio?

Lola Aronovich: Considero o meu blog, que está prestes a completar dez anos de idade – uma eternidade na internet – um blog pessoal, já que tem até meu nome no título. Mas como sempre fui feminista, desde criança, praticamente tudo que falo e escrevo tem este viés feminista. Portanto, imediatamente o meu blog foi definido como feminista. Lá eu falo de inúmeros assuntos, mas um dos mais frequentes é realmente o combate à violência contra a mulher. O feminicídio é um tema muito sério, que uma parte da mídia ainda comete o equívoco de chamar de “crime passional”. Os dados da ONU são alarmantes: 38% de todas as mulheres mortas no planeta são assassinadas pelo marido,
namorado ou ex-parceiro. Todos nós devemos lutar contra essa epidemia que ocorre em todos os lugares do mundo, não apenas nos países pobres.

Campanha ANA: Ao final deste mês começa mais uma edição dos 16 Dias de Ativismo contra a Violência de Gênero, mais precisamente o 25 de novembro que marca dia Internacional de Não Violência contra as Mulheres. Qual a importância você vê nesse momento, tanto na data quando nos dias de ativismo?

Lola Aronovich: É uma data muito importante, realizada no mundo desde 1991 e, no Brasil, desde 2003. A campanha internacional tem início no dia 25 de novembro -- data que marca o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres -- e vai até 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. É uma das datas mais importantes para os movimentos feministas, assim como o 8 de março (Dia Internacional da Mulher) e o dia 28 de setembro (Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto). São datas em que avaliamos conquistas e avanços, denunciamos retrocessos, e tentamos conscientizar a sociedade da necessidade de mudanças.

Campanha ANA: Você vê algum progresso que minimiza as relações dos sistemas de opressão das mulheres? É possível falar em avanços nos dias de hoje?

Lola Aronovich: Sem dúvida há muitos avanços. O feminismo é forte hoje. Em toda universidade, inclusive as particulares, tidas como mais conservadoras, há no mínimo um coletivo feminista, um coletivo LGBT, um coletivo do movimento negro. E, cada vez mais, alunas criam coletivos em suas escolas. Os conservadores ficam desesperados ao ver meninas de 11, 12 anos tão cheias de iniciativa e com tanta vontade de lutar. O feminismo é tão forte que nós ativistas somos atacadas diariamente. Estamos vivendo tempos sombrios, em que um governo que não foi eleito nas urnas (e, com essa agenda, nunca seria eleito) aproveita o Congresso mais reacionário dos últimos 50 anos para aprovar várias leis que tiram direitos de trabalhadoras e trabalhadores. O fim da Previdência, o fim dos direitos trabalhistas, a falência programada do SUS, o desmantelamento das instituições de educação públicas, são péssimos para todos os brasileiros, mas pior para as mulheres e negros. E os deputados fundamentalistas cristãos estão empenhados em proibir o aborto no Brasil em todos os casos. Imagina uma mulher ou menina ser estuprada e engravidar e ser forçada a parir o filho do estuprador. Ou uma mulher que corre risco de vida ao prosseguir com a gravidez ser obrigada a prosseguir, já que, para os
conservadores, um feto é muito mais importante que uma mulher adulta. É este o pesadelo que estamos vivendo.

Campanha ANA: Diante de todo esse cenário de violência que vivemos, o que podemos fazer ou mesmo enfatizar enquanto indivíduos e instituições para enfrentar mazelas?

Lola Aronovich: Acho que todas as transformações passam pela educação. Não só educação nas escolas e universidades, mas através da mídia, no dia a dia. O mundo é dos jovens. Todo jovem tem que ser idealista, tem que acreditar que tem poder pra mudar.

Campanha ANA: Qual a melhor maneira de uma mulher agir em relação a violências, sejam domésticas, sexuais e ou no campo profissional?

Lola Aronovich: O importante é não se calar. Denunciar a violência nem sempre funciona, mas é necessário. Também é fundamental se unir a outras mulheres, exercer sua sororidade. Uma mulher
pode aprender muito da experiência de outras mulheres.

Campanha ANA:  Em um dos seus posts no blog, você cita a experiência de Nairóbi, no Quênia, onde os meninos são ensinados a respeitar as meninas. Você acredita que essa também possa ser uma aposta brasileira para diminuir a violência de gênero?

Lola Aronovich: Sem dúvida. Esta é uma proposta nossa faz tempo: que questões de gênero sejam discutidas em sala de aula. Aliás, isso está nas diretrizes nacionais muito antes dos reacionários começarem com o fantasma que eles inventaram de “ideologia de gênero”. Não tem como melhorar a sociedade sem melhorar a vida das mulheres nesta sociedade. Quando se melhora a vida das mulheres, melhora-se também a vida das crianças.

Campanha ANA:  Como as organizações que atendem crianças e adolescentes podem contribuir no seu cotidiano contra as violências cometidas às mulheres?

Lola Aronovich: Em primeiro lugar, ouvindo e acreditando nas mulheres. Já existem muitas organizações que fazem isso, e evidentemente devem continuar o bom trabalho. Mas cada um de nós
pode fazer a sua parte, se posicionando todos os dias contra o machismo, o racismo, a homofobia e tantos outros preconceitos.

Campanha ANA:  Por fim, há alguma questão que gostaria de acrescentar?

Lola Aronovich: A internet é uma ferramenta poderosa para todos nós. Em vez de espalhar ódio, como tantos fazem, vamos divulgar conteúdo de quem luta para mudar o mundo. E vamos criar o nosso próprio conteúdo. Sem temer.

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