domingo, 19 de novembro de 2017

Entrevista, O corpo com potência com Cinthia Sarinho.

Campanha Ana: Cínthia nos conte um pouco sobre você: Relações profissionais, de militância, enfim o que achar que é interessante compartilhar.

Cínthia Sarinho: Sou formada em Psicologia com Especialização e Licenciatura, pesquisadora das infâncias, Mestranda em Educação pela UFRPE e Mobilizadora do Canal Futura. Desde o início da minha formação acadêmica tenho uma aproximação com as questões ligadas às infâncias, mas foi enquanto Mobilizadora do Canal Futura, lugar de onde hoje falo, que fiquei ainda mais próxima, a partir do Projeto Crescer sem Violência do qual muito me orgulho de fazer parte. Ao longo dos últimos dez anos, tenho atuado nas causas ligadas aos direitos humanos de crianças e adolescentes, especialmente no que se refere às violências sexuais e trabalho infantil. Foi em 2007 que tive o primeiro contato com a Rede de Combate às Violências Sexuais contra Crianças e Adolescentes em Pernambuco, hoje conhecida como Rede de Enfrentamento. A partir daí, passei a integrar a Rede representando o Canal Futura como organização membro, atualmente participando também de outras redes e fóruns de proteção à infância, a exemplo do FEPETIPE, Fórum DCA PE e Rede Ecpat Brasil (representando a Rede de Enfrentamento PE). Essas experiências e a atuação no Projeto Crescer sem Violência em diferentes estados do país, têm contribuído significativamente na minha formação pessoal, acadêmica e profissional. O compromisso com a causa vai além da relação profissional, é o sentimento de indignação que move e fortalece essa luta, que faz acreditar que é possível sim um mundo mais justo e solidário em que crianças e adolescentes sejam protegidos e tenham os seus direitos garantidos.


 Campanha Ana: O projeto Crescer sem Violência encabeçado pelo Canal Futura vem contribuído com a discussão e criando ferramentas metodológica para enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes.  E sua nova aposta é a série de vídeos que vai discutir o corpo. Quais as potencias e desafios dessa nova fase do projeto?

Cínthia Sarinho:  Em 2009 o Canal Futura assumiu o desafio de desenvolver ações e projetos para o enfrentamento das violências sexuais contra crianças e adolescentes. Na primeira fase, a série de interprogramas televisivos “Que Exploração é essa?” foi produzida pelo Futura em parceria com a Childhood Brasil de forma colaborativa com mais de 30 organizações de três estados brasileiros que militam pela causa e atuam na acolhida de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual. Seguindo nessa mesma direção, em 2014 um convênio firmado entre o Canal Futura, a Fundação Vale, Unicef Brasil e Childhood Brasil, em âmbito nacional, deu origem ao projeto “Crescer sem violência”, que igualmente visa disseminar informações de qualidade e metodologias de enfrentamento às diferentes formas de violência sexual contra crianças e adolescentes. Nessa etapa demos ênfase no combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes, através da produção da série de programas “Que abuso é esse?” em diálogo com instituições de referência  no assunto, produção de Kits educativos e implementação piloto com formação de profissionais da rede de proteção à criança e ao adolescente em diferente estado e regiões do país. Em 2016, dando continuidade à parceria com Unicef Brasil e Childhood, iniciamos a terceira etapa do projeto com o processo de pesquisa e produção da série “Que Corpo é esse?”, que abordará através de uma linguagem lúdica e criativa as questões relacionadas ao desenvolvimento da sexualidade em suas diferentes fases da vida, além da prevenção contra possíveis doenças sexualmente transmissíveis e violências sexuais. Dessa forma acreditamos que, a partir da ilustração de situações cotidianas vividas por crianças e adolescentes, nas diferentes fases de seu desenvolvimento abordadas na série, contribuiremos para desmistificar tabus e dúvidas. O principal desafio é contribuir efetivamente para autoproteção de crianças e adolescentes e o enfrentamento às violências sexuais, fortalecer a Rede de Proteção dos Direitos da criança e do adolescente e envolver as escolas nessa luta que é de todos nós.

Campanha Ana: Para você, o corpo é mesmo uma potência? Porque? 

Cínthia Sarinho: Compreendemos o corpo como potência, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de crianças e adolescentes. É através do corpo que expressamos nossos sentimentos desde a primeira infância, os medos, as dores, as sensações de prazer e alegria, mas é esse mesmo corpo que também é extremamente vulnerável. Em se tratando das questões relacionadas às violências sexuais, sabemos que essas deixam marcas profundas, psicológicas e físicas. E é considerando essa potência que se faz necessário compreender também a necessidade de cuidado e proteção com os corpos das crianças e adolescentes.

Campanha Ana: Como vocês da equipe do Canal Futura identificaram que era necessário uma serie que desmitificasse os tabus em torno do corpo e seu desenvolvimento?  De onde veio essa demanda? 

Cínthia Sarinho:   Essa demanda veio da própria Rede de Proteção e organizações de referência que atuam na temática. Foi a partir das experiências anteriores de implementação das séries “Que Exploração é essa?” e “Que Abuso é esse?” que ficou evidenciado que para atuarmos na prevenção e no enfrentamento às violências sexuais, era necessário trabalhar as questões ligadas ao corpo e sexualidade. Para que uma criança e adolescente possam se proteger de situações de violência, sobre tudo o abuso sexual, é preciso antes de tudo, conhecer o seu próprio corpo, e saber identificar um carinho, diferenciar um toque de afeto do toque abusivo, e isso só é possível com a educação sexual para a autodefesa e autoproteção.
O Futura acredita na construção coletiva do conhecimento e nesse sentido, se constrói no diálogo e parceria com diferentes grupos e organizações sociais. Na produção de conteúdos audiovisuais e projetos desenvolvidos não é diferente, nesse sentido estabelece diferentes estratégias para a produção colaborativa dos conteúdos produzidos. No caso das séries audiovisuais (“Que Exploração é essa?”, “Que Abuso é esse?” e “Que Corpo é esse?”) que integram o Projeto Crescer sem Violência, trilhamos o mesmo caminho, realizamos fóruns temáticos com a participação de organizações e profissionais de referência na temática para uma escuta qualificada das questões relacionadas às violências sexuais e proteção à infância. A série está em fase final de produção e logo estará
disponível como mais uma ferramenta para a promoção de direitos e proteção de crianças e adolescentes.

Campanha Ana: As crianças e adolescentes que conhecem os aspectos físicos do corpo e seu desenvolvimento são menos vulneráveis serem vítimas da violência sexual? 

Cínthia Sarinho: As crianças e adolescentes que conhecem o seu corpo e que tem em casa ou na família um ambiente protetor, que conversam com os pais e responsáveis sobre autoproteção, corpo e sentimentos, que sabem diferenciar um carinho de toques abusivos, crescem sem dúvida, mais seguras e menos vulneráveis à violência sexual. E se por ventura se depararem com alguma situação ameaçadora, saberão se autoproteger e pedir ajuda à alguém de sua confiança. O diálogo é o melhor caminho para que crianças e adolescentes cresçam seguros e protegidos das violências sexuais, garantindo dessa forma o seu desenvolvimento pleno e saudável.

Campanha Ana: Por que essa Educação corporal é tão negligenciada nas organizações de ensino?

Cínthia Sarinho:  Acreditamos que, além dessa não ser uma prioridade nas políticas públicas de educação, o que ocorre é uma dificuldade de abordagem do tema. A falta de formação em educação sexual certamente contribui para que esse seja um tema não abordado frequentemente na escola. Questões relacionadas à sexualidade ainda são um tabu para muitas pessoas, pois culturalmente há uma resistência e muitas vezes insegurança em tratar o tema, pensando que não é assunto para criança e adolescente. É necessário compreender que esse é um tema presente na vida de todas as pessoas desde o nascimento, e que precisa ser tratado com naturalidade, sem tabus e preconceitos. Nesse sentido, família e escola têm um papel fundamental na construção de ambientes seguros e que promovam a autoproteção de crianças e adolescentes.

Campanha Ana: Qual a contribuição as organizações sociais que atuam com crianças e adolescentes podem realizar nessa perspectiva do conhecimento do corpo, da sexualidade e do desenvolvimentos de meninas e meninos?

Cínthia Sarinho:  Historicamente as organizações sociais que atuam na prevenção e no enfrentamento às violências sexuais contra crianças e adolescentes, pautam seu trabalho nos direitos sexuais de crianças e adolescentes, considerando esse como um direito humano para um desenvolvimento da sexualidade saudável e protegida, garantindo assim a proteção de crianças e adolescentes. Além das organizações sociais, diferentes ferramentas a exemplo do Manual da ABRAPIA (2002), o Plano Nacional de Enfrentamento às Violência Sexual (Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDHA, 2000) e o Guia Escolar: Identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes (Santos & Ippolito, 2011), citam a importância da Educação Sexual como “a melhor forma de prevenção” e importante estratégia a ser desenvolvida na escola e outros espaços educativos. Nesse sentido vale ressaltar a importante contribuição que essas organizações vêm dando na produção de conteúdos, publicações, diferentes materiais pedagógicos e ações educativas voltadas para que crianças e adolescentes conheçam o seu corpo e os limites, para que possam se proteger e defender de situações abusivas e de violência.

Campanha Ana:  Há alguma outra questão que gostaria de reforçar?

Cínthia Sarinho:  Importante reforçar que essa é uma luta de todos nós, que a família e a escola têm um papel fundamental na promoção de direitos de crianças e adolescentes, e segundo o Art.227 da Constituição Federal de 1988 - “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Por fim, lembrar que, no Enfrentamento às Violências Sexuais, o melhor caminho é a informação, a prevenção e a promoção da Educação Sexual para que crianças e adolescentes sigam protegidas.



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