Campanha Ana: Cínthia nos conte um pouco sobre
você: Relações profissionais, de militância, enfim o que achar que é
interessante compartilhar.
Cínthia
Sarinho: Sou
formada em Psicologia com Especialização e Licenciatura, pesquisadora das
infâncias, Mestranda em Educação pela UFRPE e Mobilizadora do Canal Futura.
Desde o início da minha formação acadêmica tenho uma aproximação com as
questões ligadas às infâncias, mas foi enquanto Mobilizadora do Canal Futura,
lugar de onde hoje falo, que fiquei ainda mais próxima, a partir do Projeto
Crescer sem Violência do qual muito me orgulho de fazer parte. Ao longo dos
últimos dez anos, tenho atuado nas causas ligadas aos direitos humanos de
crianças e adolescentes, especialmente no que se refere às violências sexuais e
trabalho infantil. Foi em 2007 que tive o primeiro contato com a Rede de
Combate às Violências Sexuais contra Crianças e Adolescentes em Pernambuco,
hoje conhecida como Rede de Enfrentamento. A partir daí, passei a integrar a
Rede representando o Canal Futura como organização membro, atualmente
participando também de outras redes e fóruns de proteção à infância, a exemplo
do FEPETIPE, Fórum DCA PE e Rede Ecpat Brasil (representando a Rede de
Enfrentamento PE). Essas experiências e a atuação no Projeto Crescer sem
Violência em diferentes estados do país, têm contribuído significativamente na
minha formação pessoal, acadêmica e profissional. O compromisso com a causa vai
além da relação profissional, é o sentimento de indignação que move e fortalece
essa luta, que faz acreditar que é possível sim um mundo mais justo e solidário
em que crianças e adolescentes sejam protegidos e tenham os seus direitos
garantidos.
Campanha Ana: O projeto Crescer sem Violência encabeçado pelo Canal
Futura vem contribuído com a discussão e criando ferramentas metodológica para
enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes. E sua nova
aposta é a série de vídeos que vai discutir o corpo. Quais as potencias e
desafios dessa nova fase do projeto?
Cínthia
Sarinho: Em 2009 o Canal Futura assumiu o desafio de
desenvolver ações e projetos para o enfrentamento das violências sexuais contra
crianças e adolescentes. Na primeira fase, a série de interprogramas televisivos
“Que Exploração é essa?” foi produzida pelo Futura em parceria com a Childhood
Brasil de forma colaborativa com mais de 30 organizações de três estados
brasileiros que militam pela causa e atuam na acolhida de crianças e
adolescentes vítimas de exploração sexual. Seguindo nessa mesma direção, em
2014 um convênio firmado entre o Canal Futura, a Fundação Vale, Unicef Brasil e
Childhood Brasil, em âmbito nacional, deu origem ao projeto “Crescer sem
violência”, que igualmente visa disseminar informações de qualidade e
metodologias de enfrentamento às diferentes formas de violência sexual contra
crianças e adolescentes. Nessa etapa demos ênfase no combate ao abuso sexual de
crianças e adolescentes, através da produção da série de programas “Que abuso é
esse?” em diálogo com instituições de referência no assunto, produção de
Kits educativos e implementação piloto com formação de profissionais da rede de
proteção à criança e ao adolescente em diferente estado e regiões do país. Em 2016, dando continuidade à parceria com
Unicef Brasil e Childhood, iniciamos a terceira etapa do projeto com o processo
de pesquisa e produção da série “Que Corpo é esse?”, que abordará através de
uma linguagem lúdica e criativa as questões relacionadas ao desenvolvimento da
sexualidade em suas diferentes fases da vida, além da prevenção contra
possíveis doenças sexualmente transmissíveis e violências sexuais. Dessa forma
acreditamos que, a partir da ilustração de situações cotidianas vividas por
crianças e adolescentes, nas diferentes fases de seu desenvolvimento abordadas
na série, contribuiremos para desmistificar tabus e dúvidas. O principal
desafio é contribuir efetivamente para autoproteção de crianças e adolescentes
e o enfrentamento às violências sexuais, fortalecer a Rede de Proteção dos
Direitos da criança e do adolescente e envolver as escolas nessa luta que
é de todos nós.
Campanha Ana: Para você, o corpo é mesmo uma
potência? Porque?
Cínthia
Sarinho: Compreendemos
o corpo como potência, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de
crianças e adolescentes. É através do corpo que expressamos nossos sentimentos
desde a primeira infância, os medos, as dores, as sensações de prazer e alegria, mas é esse mesmo corpo que
também é extremamente vulnerável. Em se tratando das questões relacionadas às
violências sexuais, sabemos que essas deixam marcas profundas, psicológicas e
físicas. E é considerando essa potência que se faz necessário compreender
também a necessidade de cuidado e proteção com os corpos das crianças e
adolescentes.
Campanha Ana: Como vocês da equipe do Canal Futura identificaram que era
necessário uma serie que desmitificasse os tabus em torno do corpo e seu
desenvolvimento? De onde veio essa demanda?
Cínthia
Sarinho: Essa demanda veio da própria Rede de Proteção
e organizações de referência que atuam na temática. Foi a partir das
experiências anteriores de implementação das séries “Que Exploração é essa?” e
“Que Abuso é esse?” que ficou evidenciado que para atuarmos na prevenção e no
enfrentamento às violências sexuais, era necessário trabalhar as questões
ligadas ao corpo e sexualidade. Para que uma criança e adolescente possam se
proteger de situações de violência, sobre tudo o abuso sexual, é preciso antes
de tudo, conhecer o seu próprio corpo, e saber identificar um carinho, diferenciar um toque de afeto do
toque abusivo, e isso só é possível com a educação sexual para a autodefesa e
autoproteção.
O Futura acredita na construção coletiva do
conhecimento e nesse sentido, se constrói no diálogo e parceria com diferentes
grupos e organizações sociais. Na produção de conteúdos audiovisuais e projetos
desenvolvidos não é diferente, nesse sentido estabelece diferentes estratégias
para a produção colaborativa dos conteúdos produzidos. No caso das séries
audiovisuais (“Que Exploração é essa?”, “Que Abuso é esse?” e “Que Corpo é
esse?”) que integram o Projeto Crescer sem Violência, trilhamos o mesmo caminho,
realizamos fóruns temáticos com a participação de organizações e profissionais
de referência na temática para uma escuta qualificada das questões relacionadas
às violências sexuais e proteção à infância. A série está em fase final de
produção e logo estará
disponível como mais uma ferramenta para a promoção de
direitos e proteção de crianças e adolescentes.
Campanha Ana: As crianças e adolescentes que
conhecem os aspectos físicos do corpo e seu desenvolvimento são menos
vulneráveis serem vítimas da violência sexual?
Cínthia
Sarinho: As
crianças e adolescentes que conhecem o seu corpo e que tem em casa ou na
família um ambiente protetor, que conversam com
os pais e responsáveis sobre autoproteção, corpo e sentimentos, que sabem
diferenciar um carinho de toques abusivos, crescem sem dúvida, mais seguras e
menos vulneráveis à violência sexual. E se por ventura se depararem com alguma
situação ameaçadora, saberão se autoproteger e pedir ajuda à alguém de sua
confiança. O diálogo é o melhor caminho para que crianças e adolescentes cresçam
seguros e protegidos das violências sexuais, garantindo dessa forma o seu
desenvolvimento pleno e saudável.
Campanha Ana: Por que essa Educação corporal é tão negligenciada nas
organizações de ensino?
Cínthia
Sarinho: Acreditamos que, além dessa não ser uma
prioridade nas políticas públicas de educação, o que ocorre é uma dificuldade
de abordagem do tema. A falta de
formação em educação sexual certamente contribui para que esse seja um tema não
abordado frequentemente na escola. Questões relacionadas à
sexualidade ainda são um tabu para muitas pessoas, pois
culturalmente há uma resistência e muitas vezes insegurança em tratar o tema,
pensando que não é assunto para criança e adolescente. É necessário
compreender que esse é um tema presente na vida de todas as pessoas desde o
nascimento, e que precisa ser tratado com naturalidade, sem tabus e
preconceitos. Nesse sentido, família e escola têm um papel
fundamental na construção de ambientes seguros e que promovam a autoproteção de
crianças e adolescentes.
Campanha Ana: Qual a contribuição as organizações sociais que atuam com
crianças e adolescentes podem realizar nessa perspectiva do conhecimento do
corpo, da sexualidade e do desenvolvimentos de meninas e meninos?
Cínthia
Sarinho: Historicamente as organizações sociais que
atuam na prevenção e no enfrentamento às violências sexuais contra crianças e
adolescentes, pautam seu trabalho nos direitos sexuais de crianças e
adolescentes, considerando esse como um direito humano para um desenvolvimento
da sexualidade saudável e protegida, garantindo assim a proteção de crianças e
adolescentes. Além das organizações sociais, diferentes ferramentas a exemplo
do Manual da ABRAPIA (2002), o Plano Nacional de Enfrentamento às
Violência Sexual (Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDHA, 2000) e o
Guia Escolar: Identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças
e adolescentes (Santos & Ippolito, 2011), citam a importância da
Educação Sexual como “a melhor forma de prevenção” e importante estratégia a
ser desenvolvida na escola e outros espaços educativos. Nesse sentido vale
ressaltar a importante contribuição que essas organizações vêm dando na
produção de conteúdos, publicações, diferentes materiais pedagógicos e ações
educativas voltadas para que crianças e adolescentes conheçam o seu corpo e os
limites, para que possam se proteger e defender de situações abusivas e de
violência.
Campanha Ana: Há alguma outra questão
que gostaria de reforçar?
Cínthia
Sarinho: Importante reforçar que essa é uma luta de
todos nós, que a família e a escola têm um papel fundamental na promoção de
direitos de crianças e adolescentes, e segundo o Art.227 da Constituição
Federal de 1988 - “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”. Por fim, lembrar que, no
Enfrentamento às Violências Sexuais, o melhor caminho é a informação, a
prevenção e a promoção da Educação Sexual para que crianças e adolescentes
sigam protegidas.
Veja O boletim na Integra:
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