quarta-feira, 29 de março de 2017

Lute como uma mulher

Para entender a dimensão das  lutas das  mulheres, e os desafios colocados as mulheres conversamos com Viviane Santiago, Gerente Técnica de Gênero na organização social Plan International Brazil. Ela é Mulher negra, nordestina, professora, pedagoga, mãe solteira e sobrevivente numa sociedade racista, machista e capitalista, sobrevive a todas as violações de direitos e luta pela construção de um mundo melhor e justo para todas as pessoas.

Equipe Campanha ANA: Desde quando a pauta dos direitos das mulheres se tornou uma vivência efetiva na sua trajetória? Qual foi o clique que te despertou para essa defesa?

Viviane Santiago: Eu acho que sempre senti aquela indignação, desde criança... Me percebia muito indignada com a situação das mulheres que me arrodeavam, a dependência financeira, a vida atribulada com tanto trabalho doméstico. Tinha um incômodo, uma conformação. Uma vez eu era bem pequena e disse assim a minha mãe: Mãe eu acho que eu nunca quero me casar, e quando ela bem espantada me perguntou porquê, eu disse que era porque eu tinha muito medo de deixar de ser Vi, de ser Viviana, pra ser "a mulher de ...alguém"... Eu lembro que nem minha mãe entendeu isso, me disse pra eu deixar de coisa e ir brincar. Mas o que eu quero dizer é que essa indignação já estava ali, mas somente quando me aproximei do movimento negro fui aprendendo sobre essa condição de ser Negra e ser Mulher, e me aproximando do feminismo e do feminismo interseccional e isso abriu um mundo, porque então eu comecei a nomear aquelas coisas que sempre estiveram presentes em minha vida. E principalmente eu comecei a perceber que aquela indignação, inconformação não era só minha, e me vendo assim em muitas outras mulheres, isso me despertou para a luta, para a rua, para reconhecer que tinha voz e usar essa voz, a entender que a luta era por todas nós mulheres e de que além da indignação estava a ação, que haviam coisas que eu poderia fazer, e assim fui me fortalecendo, aprendendo, e de fato me lançando nesse universo de estudos, de lutas e não parei mais.

E.C.A: O 8 de março desde sua criação em 1910 vem ser consolidando como um dos vários marcos históricos da luta das mulheres. Porque devemos ir para além desta data? Esse é um dia que não se acaba?


V.S: Eu vejo o 08 de março como um dia de luta. É um dia que relembra a cada uma de nós mulheres que a nossa existência é Luta; Traz à memória as que vieram antes de nós e se insurgiram e pagaram um preço alto por isso, também nos faz refletir que avançamos, mas ainda não alcançamos o que buscamos.
Essa é uma reflexão permanente, o 08 de março precisa ser todos os dias, isto é, precisamos trazer a
memória as lutas do passado, buscar inspiração na resistência dessas companheiras que vieram antes e analisar o presente e buscar estratégias de enfrentamento de violência, construção de pautas e reivindicações.
Essa foi a provocação desse 08 de março, mulheres pautando a sociedade o conteúdo de luta da data, e luta endereçada a construção de uma sociedade que seja antimachista, antirracista, anticapitalista, antilesbobitransfóbica.

E.C.A: Você e da Equipe da Plan International. Nos Estados em que atua no Brasil e no mundo, vocês realizam algum trabalho com adolescentes? Nos conte um pouco sobre o trabalho desenvolvido pelo Plan.

V.S: Sim, na Plan nós desenvolvemos um trabalho muito bacana com adolescentes. O nosso propósito enquanto organização é o seguinte: Nós lutamos por um mundo que promova os direitos das crianças e igualdade para as meninas. E aqui usamos a definição da convenção para criança que estende até 18 anos. Nosso trabalho com adolescentes se dá em alguns eixos: Promoção de Direitos, Fortalecimento de competências para a liderança e participação política para meninas, Esporte e cidadania, Direitos sexuais e reprodutivos. Atualmente temos mais de 15 projetos em andamento, e promovemos a compreensão de adolescentes enquanto sujeitas e sujeitos de direito, desenvolvemos suas capacidades para participação em todos os processos de sua vida isso inclui uma discussão de gênero, de novas masculinidades, que levem essas meninas e meninos a pensarem suas vidas, suas posturas, seus sonhos e sua capacidade de intervir na sociedade e também atuar na construção desse mundo justo para todas as pessoas. E isso pode se dar nas mais variadas linguagem: esporte, incidência politica, jovens multiplicando informações, educação financeira....

E.C.A: Um estudo sobre feminismo e igualdade de gênero realizado em 24 países e divulgado pela empresa IPSOS no mês de março, apontou que: 41% das brasileiras sentem medo de defender seus direitos em função do que possa acontecer com elas. Para você o que esse dado revela?


V.S: Revela uma sociedade que maltrata mulheres, uma sociedade que pune mulheres e que mata mulheres. O medo das mulheres fala dos ambientes em que elas estão inseridas. Uma sociedade machista, patriarcal e misógina maltrata tanto e silencia tanto as mulheres no dia a dia que falar não é
fácil, falar significa estar exposta às retaliações e consequências. Mesmo nós mulheres ativistas/militantes lidamos com esse medo, afinal nós vivemos num país em que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, somos punidas somente pelo fato de sermos mulheres.  (veja o link  no final da entrevista) 

E.C.A: A Medida Provisória (MP) 768 de 2 fevereiro de 2017, que cria o Ministério dos Direitos Humanos. Traz mudanças para as políticas das mulheres e dos direitos de crianças e adolescentes. Que mudanças são essas e quais as ameaças a MP representa a luta pela efetivação dos Direitos humanos no País?

V.S: Aqui eu só gostaria de chamar atenção para 1 aspecto: O da invisibilidade. O que conseguimos nos últimos anos foi o posicionamento das demandas de mulheres e de crianças, trouxemos para o status de seriedade dentro das dinâmicas e programas de governo, o mesmo com a questão racial por exemplo. O que se vê agora é um esfacelamento dessa caminhada e a subalternização dessas questões.

E.C.A: No ano passado a lei Maria da penha completou 10 anos. Embora houve avanços significativos, segundo o mapa da violência, os homicídios de mulheres negras aumentaram 54%, enquanto o das mulheres brancas caíram nesse período dez anos no Brasil. Na sua visão no que se precisa avançar na aplicação desta lei?


V.S: A incorporação da dimensão de raça na elaboração e implementação de políticas públicas e leis no Brasil. Nós vivemos num país racista que tem uma profunda dificuldade de se reconhecer e nesse sentido de nomear racista a violência estrutural que afeta a população negra. No caso de mulheres negras a dupla discriminação: São mulheres violentadas pelo patriarcado e negras violentadas pelo sistema de opressão racista. Nesse sentido é preciso ter certeza por exemplo se as mulheres negras estão vivenciando uma rota crítica construída em função de seu pertencimento racial. Mesmo nós, mulheres ativistas/militantes, lidamos com esse medo, afinal vivemos num país em que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, somos punidas somente pelo fato de sermos mulheres.

E.C.A: Na sua avaliação, como ou que estratégias podemos adotar para chegarmos na igualdade de gênero?

V.S: Eu penso que a igualdade essa busca deveria chegar em torno de todas as dimensões da vida em sociedade, ter em conta que desde a chegada a essa vida e em todos os momentos as pessoas recebem informações sobre ser mulheres e homens, meninas e meninos que reiteram estereótipos e fundam
desigualdades, então seria muito interessante termos essa família, essa escola, essa mídia, essa tv, essa sociedade todinha sendo convidada a produzir outros discursos e revisitar processos que produzem gênero e hoje produzem a desigualdade.

E.C.A: Por fim, há alguma questão que gostaria de acrescentar?

V.S: Chamar a atenção para o recorte geracional, etário na discussão da violência contra a mulher, isso é ter em conta a necessidade de estramos prestando muita atenção nas meninas, e perceber que nós mulheres fomos meninas no começo de nossas vidas e sofremos essas violências de gênero, sofremos as violências raciais, de classe, de etnia, por sermos migrantes, refugiadas, mas sofremos também por sermos meninas, e ai a sociedade projeta sobre as meninas a visão estereotipada e

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